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Estética e Arquitetura


18/09/2017   publicado por: edeas

Introdução

No presente trabalho considerou-se importante fazer algumas considerações sobre o estudo da estética na filosofia. Para fins didáticos e de sub-divisão e sistematização de seu estudo, a filosofia abrange cinco campos de estudo, pesquisa e discurso: a lógica, a estética, a ética, a política e a metafísica.

A Lógica é o estudo do método ideal de pensamento e pesquisa: observação e introspecção, dedução e indução, hipótese e experimento, análise e síntese. Essas são formas da atividade humana que a lógica tenta compreender e orientar.

A Estética, que é a parte da filosofia que vai nos interessar nessa investigação específica; define-se comumente como o estudo da forma ideal ou beleza; é a filosofia da arte. Estudaremos também a estética específica da arquitetura e noções de percepção visual e concepções filosóficas da percepção humana e o espaço.

A ética é o estudo da conduta ideal, é o conhecimento do bem e do mal, o conhecimento da sabedoria de vida. A Política é o estudo da organização social ideal; monarquia, aristocracia, democracia, socialismo, anarquismo, feminismo; estes são alguns dos dramatis personae da filosofia política. E há ainda a metafísica, que é o estudo da chamada “realidade máxima” de todas as coisas: da natureza real e final da matéria (ontologia), da mente (psicologia filosófica), e da inter-relação de “mente” e “matéria” nos processos de conhecimento (epistemologia)

Estética

As questões sobre o belo, e a apreciação estética, as sutilezas e refinamentos filosóficos de variações sobre o tema são infinitas. O que é o belo? Há um conceito ou um consenso universal sobre o belo? Sobre a qualidade e apreciação estética de uma obra de arte, de um edifício, ou mesmo da natureza ou de um fenômeno natural? E o gosto? Como interfere nessa percepção e apreciação? E o intelecto? As condições sócio-econômica-histórico-culturais? Percebemos que a questão é complexa, e que longe de alcançarmos verdades absolutas estaremos no caminho correto a partir do momento em que formularmos as perguntas corretas. Tentemos ter em mente que simplesmente não podemos dissociar a arte, por conseguinte a arquitetura, da filosofia, como diz Merleau Ponty (Citado em Chauí,1992: p. 117) “Filosofia e arte juntas, não são fabricações arbitrárias no universo da cultura mas contato com o ser justamente enquanto criações”

O belo de Immanuel Kant sob os pressupostos do idealismo alemão; correlaciona planejamento e beleza. É belo para Kant qualquer coisa que revele simetria e unidade de estrutura, como se tivesse sido planejada pela inteligência. É uma concepção particular do filósofo. Com um viés nitidamente clássico, corrobora com os valores de estabilidade e racionalidade greco-romanos correlacionando-os com sua concepção de beleza.

Ao apreendermos um objeto estético confrontamo-lo com conceitos de natureza, forma e mundo. Dufrenne (1981: p. 19) tenta demonstrar que a imaginação está na base da percepção e deve ser encarada como sua colaboradora. A percepção não é um ato passivo de recepção de estímulos, é sim um processo em que a imaginação tem participação efetiva.

E que referencial usamos a priori ao apreendermos qualquer coisa, e não apenas esteticamente? Nosso próprio corpo, responde Dufrenne.(op. cit..: p.21) Em relação a participação do intelecto, devemos tomar cuidado para não superestimar sua influência, sob o risco de tornar a experiência estética em mero exercício racional.

Certamente não devemos de maneira alguma menosprezar ou subestimar a experiência estética para a condição humana. Os trogloditas idealizadores das pinturas rupestres de Lascaux, e os pré-históricos executores das Vênus de argila, símbolos de fecundidade, de ritos religiosos de celebração de uma provável deidade-mãe, queriam algo mais do que especulamos. A respeito da condição humana e da estética nos diz Dufrenne(op.cit.: p.27):

O homem é um ser – no – mundo, e estar no mundo leva o homem a buscar o fundamento que consiste no acordo do homem com o mundo. Daí a importância da experiência estética. Ela reconcilia o homem consigo mesmo. Ela manifesta a aptidão do homem para a ciência e para a moralidade. E isso porque a experiência estética se situa na origem, naquele ponto m que o homem, confundido inteiramente com as coisas, experimenta sua familiaridade com o mundo.

Vejo, logo existo
O valor existencial do belo.

Na vida temos uma necessidade de alcançar valores, sejam eles quais forem. Mas o valor não é só o que se procura. É aquilo que é encontrado. O objeto porque é valor persevera e reafirma sua existência. Os valores usualmente se sub-dividem em: o útil, o agradável, o amável, o verdadeiro, o bom e o belo. Cada qual corresponde a um modo específico de intencionalidade e o conjunto compreende o campo das relações do objeto com o sujeito.

A tendência humana é trabalhar com dicotomias, antagonismos óbvios e maniqueísmos. A Estética procura definir e estudar o belo. Mas o que não é belo, seria exatamente o quê? A antítese do belo seria o feio? Ao contrário do que geralmente pensamos Dufrenne (op. cit.: p.31) explica: “o belo é o perfeito, o acabado. O contrário do belo, por conseguinte não é o feio é o abortivo, no caso de uma obra criada com pretensões de objeto estético”

A visão humana é esse sentido que nos permite a imersão no mundo real, o contato com as manifestações perceptíveis por nossa retina convida-nos a meditar sobre a natureza de tudo o que vemos. Tentamos compreender as coisas a natureza, procuramos aprender conceitos de espaço, de luz e tentamos dominar pelo conhecimento aquilo que vemos. A imagem é essa sensação que nos permite principalmente referenciar-nos no mundo, o cogito ergo sum (penso, logo existo) de Renée Descartes talvez fosse melhor se substituído pelo vejo logo existo. E o belo parece vir como uma negação do racional pelo sensível. Sobre isso ainda acrescenta Dufrenne: (op. cit.: p. 39)
“O belo é esse valor que é experimentado nas coisas, bastando que apareça na gratuidade exuberante das imagens, quando a percepção cessa de ser uma resposta prática ou quando a práxis cessa de ser utilitária.”

Mas isso posto, não devemos cair no equívoco de Sartre e considerar a imagem como coisa em si, como explica Marilena Chauí: (1992: p.114) “O imaginário não é, como supusera Sartre, a presença plenamente observável, porque imagem é pura construção subjetiva, herdeira da sensação e da memória”

O gosto

Há ainda a questão do gosto na apreciação estética. Mas que entidade tão subjetiva é essa? O gosto parece ser algo que é vinculado e formado por uma confluência de inúmeros fatores. Certamente os gostos variam com o tempo, há uma dinâmica histórica nessa questão. O zeitgeist (espírito de época) certamente é crucial para essas definições. Algo que foi belo no século passado é perfeitamente passível de ser considerado uma excrescência na atualidade. Assim como algo que é considerado um primor artístico em um lugar pode ser considerado uma farsa em outro. No caso entra em questão também o conceito de genius loci (o espírito de lugar) Explicando melhor o conceito cito Norberg-Schulz (1971: p.27)

Desde tempos remotos o homem tem reconhecido que lugares diferentes têm um caráter próprio diferente. Essa característica freqüentemente é tão forte que, de fato, determina as propriedades básicas da imagem ambiental da maioria das pessoas presentes, fazendo-as sentir que eles experimentaram e pertencem ao mesmo lugar. […] Isso prova-se verdadeiro para cidades como Roma, Istambul, Paris, Praga, Moscou. Na verdade, a verdadeira “notável” cidade é caracterizada por um particularmente forte genius loci.

No idealismo platônico há a busca da essência, da idéia do belo, das formas perfeitas, inatingíveis no mundo sensível. Sobre a idéia clássica do belo podemos recordar do conceito de Platão em que ele afirma que, realmente saber e sabedoria exigem que o homem se liberte do mundo sensível e deixe de viver no nível do percebido para ter acesso às idéias, donde ele retornará ao mundo sensível no qual decide o destino de seus companheiros.

O belo também proporciona momentos de transcendência e epifania e deleite para o observador sensibilizado. A condição humana é deixada de lado e até o auto-conhecimento pode ser estimulado por tal experiência. A compreensão de si e do sentido existencial humano podem ser estimulados por tal experiência, como atesta Dufrenne (1981: p.45)

O objeto estético resume e exprime numa qualidade afetiva inexprimível a totalidade sintética do mundo: ele me faz compreender o mundo ao compreende-lo em si mesmo. E é através de sua mediação que eu o reconheço antes de conhece-lo e que eu nele me reencontro antes de me ter encontrado.

Há muitos posicionamentos a respeito dos conceitos do belo e sua relação com a práxis e a lógica. Uns tentam negar. O belo exacerbaria qualquer possibilidade de racionalização Ele estaria em um nível unicamente sensível e subjetivo, ligado ao deleite e a correção ao sentido particular de belo de cada. Há ainda quem não queira dissociar o sentido de linguagem e significação do objeto estético.
Pois não é possível que o sensível não seja siginificante; não lhe basta ser soberanamente exaltado e ordenado, é necessário que ele assuma sua função de linguagem e que, nele, o splendor ordinis provenha de um sentido.

Quando o objeto estético torna-se um edifício, um pormenor arquitetônico, quando o âmbito do estudo do belo restringe seu campo à arquitetura, certas considerações específicas devem ser observadas.  Ao tecermos considerações sobre o belo em arquitetura esbarraremos sempre no paradigma forma versus função. A relação beleza e funcionalidade. A peculiaridade do objeto estético arquitetônico reside no fato de ele transcender o conceito de artefato de mera apreciação, visualização e potencial deleite, esvaziando-se aí seu sentido de ser. Isso não é o traço característico da arquitetura. O objeto artístico-arquitetônico é algo que tem uma carga utilitária irreversível. Nele nós vivemos, trabalhamos, dormimos, circulamos, fazemos compras divertimo-nos e até morremos. É das artes aquela que carrega o forte peso, a discussão e polêmica histórica da função. E qual a prevalência? Qual deve ter a maior relevância? Forma ou função? Louis Sullivan está certo quando diz que a forma segue a função?  Sobre essa problemática afirma Scherik (In Heyer, 1966: citado em Scruton, 1979: p.33)
A beleza é uma coisa conseqüente, um produto da resolução correta de problemas. É irreal como um fim. A preocupação com a estética leva a um projeto arbitrário, a edifícios que tomam uma certa forma, porque o projetista gosta do aspecto que tem. Nenhuma arquitetura bem sucedida pode ser formulada num sistema generalizado de estética.
Outro importante traço distintivo da arquitetura é seu caráter público. Se queremos ver um quadro ou escultura vamos a um museu ou a uma galeria de arte. Se queremos ouvir uma música vamos a um concerto, compramos um disco, ouvimo-lo. E podemos sempre escolher se queremos ver ou não determinada obra. Já a arquitetura impõe-se nas ruas. É a mais pública das artes. Sobre o fato atesta Scruton: (1979: p. 22)
Um traço distintivo mais importante da arquitetura é dado pelo caráter de objeto público. Uma obra de arquitetura impõe-se, aconteça o que acontecer, e suprime de cada membro do público a livre escolha de saber se deve observá-la ou ignorá-la.
Ainda sobre esse aspecto singular da arquitetura, lembremos também que até nos casos de uma arquitetura mais privativa. A maioria dos seus usuários são alienados do processo conceptivo e dos objetivos intrínsecos da obra; com a exceção da casa do arquiteto. “A arquitetura, como salientou Ruskin, (In op. cit., 1979: p. 24) é a mais política das artes, por impor uma visão do homem e dos seus objetivos, independentemente de qualquer acordo pessoal por parte dos que vivem com ela.
Deve-se salientar aqui que não se pretende validar e muito menos fazer qualquer apologia ao funcionalismo racionalista. Como já mencionado nesse texto (Braga, 2002: p.18) o belo tem sua própria função, altamente relevante e inegável na existência humana.
O equívoco funcionalista reside na negligência à questão da busca do valor, que está intimamente relacionado com a chamada Eudaimonia, a felicidade dos gregos. O racionalista prima pela “arquitetura das necessidades humanas”, como diz Scruton (op. cit.: p. 35) “Há um processo de redução das necessidades humanas às necessidades meramente animais, ar puro, saúde, exercício, corrida, “campos de futebol”(…)
Nas outras artes podemos realizar um processo estruturalista e decompor sua totalidade; no intuito de realizar uma leitura crítica. Podemos encontrar uma essência relativamente clara em uma pintura, por exemplo. Suas matizes, a perspectiva, o princípio compositivo. O aspecto táctil e a dinâmica de uma escultura; outro exemplo. São coisas perfeitamente apreensíveis, têm uma essência perfeitamente observável. O mesmo processo torna-se bem mais complexo ao tratarmos da arquitetura.
Mesmo havendo a possibilidade dessa decomposição no objeto arquitetônico; a identificação da essência é tarefa árdua. A qualidade mais relevante para sua apreensão como objeto estético e coisa em si, jamais será matéria de concordância entre todos: críticos, filósofos, leigos, quem quer que seja.
Uma essência da arquitetura já é assunto de controvérsias entre críticos, historiadores, pensadores e “escolas” de arquitetura. Os modernos primam pelo aspecto funcional. Há os seguidores do classicismo vitruviano do Utilitas Firmitas Venustas. Que primam por processos matemático-geométrico-euclidianos de proporção. Há ainda os que vêem na problemática do espaço as questões mais importantes da arquitetura. O espaço, como escreveu um arquiteto moderno, é o aspecto mais difícil da arquitetura, mas é a essência e o último destino para o qual a arquitetura se tem de dirigir” (Lasdun, 1977; citado em Scruton, 1979: p.50)
Sobre a fruição estética e o prazer singular proporcionado por essa experiência afirma ainda Scruton: “O prazer estético não é imediato, à maneira dos prazeres dos sentidos, mas é dependente de e afetado por processos de pensamento”(op. cit.:p.77) Essa informação é mais verdadeira ainda quando lidamos com a arquitetura. Mas nem por isso devemos colocar processos de intelecção como um a priori da apreciação estética. Já que nos movimentamos, habitamos o espaço arquitetônico precisamos apreendê-lo; precisamos realizar processos lógicos para tomar “posse” do objeto, Por outro lado o que subverte totalmente a razão de ser da arquitetura seria o belo pelo belo no objeto arquitetônico; ou pior, o formalismo arbitrário e a soberba de apresentar aberrações do tipo: a casa para não morar, ou do edifício pelo edifício sem quaisquer funções formalizadas., a não ser prestar um desserviço à atividade da arquitetura.

O gosto em arquitetura
Às vezes afirmamos que gostamos disso e daquilo e que não gostamos disso. De onde tiramos esses nossos juízos, afinal? A questão do gosto também é outro assunto passível de ampla discussão filosófica. A máxima latina de Gustibus non est disputandum (gostos não se discutem) é absolutamente inválida. Gostos discutem-se sim. E como! É bem pertinente sim discuti-lo. Negligenciar essa discussão faz-se, como diz Scruton (op. cit.:p. 107) “pensando deste modo pôr fim a uma discussão e ao mesmo tempo assegurar a validade possível às próprias idiossincrasias”
Uma expressão de gosto arquitetônico, ou qualquer gosto ao qual podemos nos referir, reflete, nosso pensamento e educação. Exprime nossas convicções mais profundas. Expressa sentimentos morais, religiosos, políticos e, evidentemente, símbolos de status de classe.
No gosto há ainda a questão da preferência. Por que razões, por exemplo, preferimos um edifício a outro. São certamente através de critérios pessoais e uma intelecção e percepção próprias que nos leva a uma específica preferência. A preferência vem de um evidente maior prazer estético proporcionado por um “objeto”. Sabemos que o prazer estético é influenciado por processos de raciocínio, contudo as relações entre razão e prazer estético não são primordiais nem essenciais. Platão, por exemplo, considerava o prazer estético como sendo um tipo intermediário entre o sensual e o intelectual, e a procura de beleza como um modo de ascensão dos domínios mais baixos do espírito para os mais altos.
Podemos perceber que na análise do subjetivo conceito de gosto há constantes que se relacionam e nos esclarecem a manifestações do gosto estético; como explica Scruton: (op. cit.: p.126)
(…)a conexão no gosto estético entre experiência, preferência e pensamento é, em certa medida inextricável. Nenhuma delas pode, em caso algum, ser verdadeiramente separada dos outros, ou o significado e o valor duma ser completamente caracterizado sem a referência ao significado e valor dos outros.
A questão do gosto “pessoal” parece estar sempre ligado às idiossincrasias próprias e critérios com métodos obscuros de definição do “mais” e do “menos” belo. A subjetividade de nossas escolhas e gostos até questiona a própria pertinência da questão e relembra-nos a máxima latina sobre gosto anteriormente citada. Mas Scruton (op. cit.: p. 133) esclarece mais a respeito dessa questão:
Na verdade, é precisamente devido à complexidade intelectual do gosto e à profunda conexão com todas as preferências que mais nos interessam, que parecemos condenados a perseguir um ideal de objetividade mesmo perante o mais persistente desapontamento.
O gosto também pressupõe um referencial inevitável a um objeto/edifício que cause desagrado. O gostar de algo pressupõe sempre uma exclusão de diversas outras formas. Esclarecendo mais esse fato diz Scruton (op. cit.: p. 200)
Ora podemos ver a aquisição do gosto da seguinte forma, como edificado por sucessivas camadas de escolha sensitiva e intelectual. Certas formas atraem-nos – escolhemo-las de preferência a outras – e este fenômeno é primitivo no sentido em que não há inicialmente uma razão para o fazermos, embora, como vimos, a experiência que determina a nossa preferência, como a própria preferência, seja como experiência a que se podem aduzir, significativamente, razões. Começamos por procurar essas razões e, enquanto o fizermos, daremos um significado às nossas formas escolhidas.
Compreende-se então uma característica essencial nos critérios de gosto de qualquer indivíduo: a inteligibilidade das formas. Os objetos precisam ter uma carga expressiva, um significado para serem devidamente apreciados. Concluímos disso que em termos arquiteturais precisamos de uma referência simbólica palpável, de um significado evidente. Como o gosto pressupõe a exclusão, excluímos as possibilidades de aceitação de formas dissociadas de nossa realidade. Uma expressão arquitetônica pseudo-vanguardista dissociada de qualquer arcabouço imagético local/ autóctone, invalida-se; simplesmente por uma questão de bom senso estético; de acordo com as premissas de inteligibilidade formal previamente citadas. Há de se fazer obras que sejam publicamente inteligíveis, não só pelo acadêmico e profissional perito, mas como pelo transeunte leigo, não instruído.

Estética aplicada Posicionamentos
Apreender a totalidade de um edifício pressupõe uma observação de interesse estético na plenitude mesma do objeto observado. Ao examinarmos um prédio buscamos significados implícitos, expressividade, relações entre o edifício e o ambiente, referências entre eles e outros prédios. Partimos, geralmente do todo, de seu significado visual mais abrangente, para, em seguida partirmos para as especificidades, para os pormenores. Ao fazermos nosso juízo de valor estético o que necessitamos e esperamos? O belo, as formas belas e aprazíveis, aquelas que realmente inspirem o prazer estético. E, como já foi explicado anteriormente, não apenas por uma questão de frivolidade e necessidades superficiais do “esteta” que há em todos nós. É simplesmente uma questão existencial humana. Precisamos do belo mesmo para referenciar-mo-nos como ser-no-mundo. A beleza é essencial, já dizia Vinícius.
Da observação e apreciação das obras arquitetônicas se detém e encontra seu significado final e sua validação nos detalhes. Em última instância o pormenor dá a palavra final sobre a qualidade estética de um edifício. Os detalhes de um projeto são mesmo, muitas vezes, a assinatura e marca de qualidade de muitos arquitetos. Como inclusive nos ensinou Mies Van der Rohe: “É no detalhe que se encontra a face mais divina de Deus”. E ele ainda nos dá exemplo de maestria nos detalhes; como nos cantos de seus arranha-céus. Podemos ainda citar brevemente, a arquitetura alva e geometrizante com os detalhes dos guarda corpos navais de Richard Meyer. A excelente arquitetura de Lelé  com o detalhe (por exemplo, dentre muitos outros) de seus sheds como ondas. Arquiteto reconhecido publicamente como um mestre na harmonia entre forma e função.1 Corroborando ainda para a noção do detalhe como elemento crucial na busca do belo acrescenta Scruton (op. cit.: p.211)
Há ainda outra razão para dar ênfase ao pormenor na arquitetura, uma razão que é tão importante praticamente, como é evasiva filosoficamente. É que o pormenor pode ser a única coisa que um arquiteto pode impor. A projeção horizontal e a elevação de um edifício são geralmente afetadas (se não ditadas) por fatores fora do controle do arquiteto – pela forma de um local ou pelas necessidades de um cliente – enquanto os pormenores continuam dentro da sua jurisdição. É através do estudo do pormenor que o arquiteto pode aprender e conferir graça e humanidade ao mais insólito, difícil ou desordenado conglomerado
E dentro dessa jurisdição obscura e subjetiva é que podemos encontrar o talento, o belo, ou as excrescências, os hiatos, as discrepâncias e o abortivo.

1 Ver matéria na revista Veja, ano 35, número 4, 20 de janeiro de 2002 – Doutor da alegria – Coloridos e elegantes, o melhor dos hospitais da Rede Sarah é que não parecem hospitais
Forma X Função

A discussão sobre o belo, sobre estética e arquitetura não deve deixar de lado a já clássica e polêmica arquitetônica forma versus função. É algo inegavelmente intrínseco ao tema, indissociável mesmo. O que seria prioritário? Haveria o aspecto prioritário? Podemos assumir posturas racionalistas extremas? Função acima de qualquer critério estetizante. Não. Já foi demonstrada a importância do belo para a própria existência do homem.
Na verdade não há como validar em absoluto qualquer posicionamento arquitetônico, como nos ensina o mestre, Niemeyer:1 “… não existe uma arquitetura única, ideal, mas várias, diferentes, todas visando à beleza e ao objetivo principal de servirem ao homem.” Note-se novamente a ênfase à beleza.
As discussões sobre forma e função em arquitetura algumas vezes até extravasam os círculos estritamente acadêmicos e profissionais. Em matéria na revista Época a discussão chega até o grande público. Questiona-se da validade de formalismos arbitrários em certos projetos. A matéria trata especificamente da construção do Hotel Unique em São Paulo, projeto do arquiteto Ruy Ohtake. O questionamento colocado pela revista é se deve a forma sobrepor-se ao conteúdo? O arquiteto Joaquim Guedes, ex professor da   FAU-USP afirma  que   projetos

1  Folha de São Paulo, 30/01/2000)

assim nascem da pressão exercida pela sociedade, sempre em busca do novo, do extravagante. Expressão mesmo econômica-antropológica do brasileiro, designado por Jorge Wilheim como o homo ludens: um ser propenso a aceitar as novidades com a curiosidade e ansiedade infantil de quem vê um brinquedo. Guedes diz à revista: “a preocupação com o Status e a moda acaba resultando nessas soluções que mais parecem obras cenográficas” e continua:” Qualquer arquitetura feita apenas com base na forma é lixo” 1  O presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil, Haroldo Pinheiro enxerga uma expansão do “fenômeno Las Vegas”, fachadas de fantasia tal e qual as da Meca mundial dos cassinos.
A revista aponta ainda o exemplo de Bilbao na Espanha, que com a construção de seu Museu Guggenheim, foi inclusa no circuito internacional de turismo e cultura.

1 Esquisito é pouco – Hotel em São Paulo reacende a discussão entre arquitetos : Deve a forma sobrepor-se ao conteúdo? Revista Época, ano IV,número 191, 14 de Janeiro de 2002)
Arquitetura e a estética da globalização
O que realmente acontece na atualidade é que a arquitetura é cada vez mais tratada como produto e não como expressão de uma sociedade, de uma cultura e de uma época. De um genius loci, ou de um Zeitgeist. O processo de globalização é que dita as tendências. Esse processo tem como força motriz, uma nova expressão da força do capital. Esse motor é o capital internacionalizado. Um capital que não tem pátria; que excedeu e transcendeu mesmo os interesses nacionais. Ele só quer mesmo o que sempre quis: gerar mais capital. A burguesia, movida por interesses comerciais que extravazam fronteiras hoje mais do que nunca, está internacionalizada.  Encontra-se totalmente divorciada de condicionantes e interesses financeiros locais.. O que o “produto” edifício representa hoje é um interesse supranacional alienado de nossa própria  realidade. O que há nas entrelinhas da “miamização” que vemos em muitas arquiteturas por aí afora, é a imposição do gosto alienado e influenciado por formas pré-fabricadas tomadas do “museu imaginário” imposto pela cultura de massa, prioritariamente norte-americana.
As imagens produzidas por tal arquitetura são fracas, efêmeras e dissonantes; causam inevitável desconforto. Seus resultados são espaços que caracterizam o que chamamos de atopos, os não lugares. Ambientes assépticos divorciados de quaisquer referências locais. Edifícios que não têm identidade e podem ser exatamente os mesmos em Cingapura e em Nova Iorque. A síntese desses espaços pós-modernos é o shopping center, templo do consumismo e capitalismo mundial contemporâneo; o espaço descontextualizado, climatizado artificialmente e voltado para si mesmo: a impessoal arquitetura pelo lucro,  tecnicamente concebida para provocar o impulso do consumo induzido
A arquitetura produzida atualmente, em sua esmagadora maioria é fruto desse processo incrivelmente veloz e irracional de trocas e circulação vertiginosa de informações. O que vemos é o pastiche, os simulacros de um passado que nunca existiu em determinados locais. Um sentimento esquizofrênico nostálgico do que nunca houve em determinados locais. (…) É uma situação caótica, que beira o nonsense. É o estágio quase final da anomia. Sobre essa transformação para pior podemos citar ( Guerra, 1995, citado em Dizioli et al: p. 7) A pressa, a ausência crítica, o marketing vazio, o desapego às realidades locais, a desatenção para com as necessidades imediatas: estas são as objeções que poderíamos levar para a publicidade em geral, para a televisão ou mesmo para a atuação política, mas não seria sincero eximir a discussão arquitetônica dos mesmos males.1
E como então nadar contra a corrente da fugacidade do consumismo , do individualismo cético crescente?   O espaço urbano globalizado periférico é um espaço que se nega. Um espaço em extinção. O espaço público real, concreto, experimenta uma desqualificação permanente, face à desvalorização do convívio e à proliferação do contato virtual. Os ambientes construídos tornam-se cada vez mais cerrados, verdadeiros bunkers da privacidade estimulada pela gregária virtualidade dos bate-papos informatizados segregacionistas. O que vemos em nossas cidades é a proliferação dos condomínios-prisão e das periferias hipertrofiadas. É “melhor” a atitude pseudo-gregária dos bate-papos do que o encontro táctil, visual e real dos espaços públicos “ameaçadores”  na cidade guetificada.

1 Trecho extraído da revista Óculum número 9, Da Imaterialidade dos simulacros.
A arquitetura pública sucumbe ao decorativismo e modismo das praças de alimentação; ambiente máximo de socialização da juventude das classes dominantes.
Vivemos em uma época de arquiteturas auto-referentes. Percebemos a proliferação de meras representações burocráticas do poder do capital. Não há o questionamento. A crise das ideologias gerou uma juventude apática, que caminha cética e acrítica com um semblante sombrio, o slacker.
Como meros receptores passivos o que esperar de arquiteturas que parecem saídas das pranchetas de slackers informatizados à serviço do capitalismo e das tendências de uma moda sazonal? Só podemos mesmo ver a proliferação de info-grafismos artesanais mecânicos. Os “copy-paste” de tipos e detalhes de revistas internacionais.
O que aconteceu com a máxima latina Ars Longa Vita Brevis? ( A arte é longa, a vida é breve)  Ninguém quer mais transcender o momento? Ninguém aspira mais ao ideal utópico da perenidade? Queremos apenas ser reconhecidos no próximo salão, exposição como os que ditam as “tendências” da saison?
Seria perfeitamente cabível frente à realidade que observamos, realizar uma releitura “arquitetônica” do livro VII da República de Platão. Mergulhemos junto com Platão em sua caverna. A observação da realidade não nos faz sentir como os prisioneiros no fundo da caverna? Certamente que sim. Sentimo-nos, a exemplo dos outros prisioneiros, com o pescoço, os pés e as mãos atados desde a infância, vítimas que somos das aparências que desfilam na parede do fundo e incapazes de alterar o curso dos acontecimentos. Ao apercebermo-nos da ilusão das sombras estéreis da pós-modernidade e dos signos efêmeros da era da informatização, sentimo-nos um pouco como aquele que os deuses libertam de seus grilhões. Saímos para o mundo da “verdadeira”, da “boa” e da “bela” arquitetura. Sofreremos como ele com a intensidade da luz do dia, pois “é o verdadeiro sol que ele pode contemplar, em seu lugar verdadeiro, e não as vãs imagens refletidas no fundo da caverna” 1
Não estaremos mesmo, nós, arquitetos, presos aos nossos próprios grilhões hoje em dia? Não estamos passivos, apáticos, ruminantes diante do desfile de sombras na parede do fundo da caverna, fascinados com as imagens que os manipuladores, os operadores de “fantoches” nos mostram. E quem seriam os operadores de fantoches da contemporaneidade? Os mercadores de imagens, os agentes da esfera publicitária, os artífices de nosso establishment imagético. E se fizermos como o prisioneiro que se libertou dos grilhões e mostrarmos para nossos companheiros de caverna a ilusão e a mentira das imagens refletidas, das sombras que são apenas espectros da realidade? Se fizermos todos enxergarem a ignorância e o entorpecimento paralisante em que vivem? Platão sugere que os prisioneiros jamais entenderiam que possa realmente existir algo além das sombras. Estariam até satisfeitos com a inanição de seus grilhões. Estamos satisfeitos mesmo com a promiscuidade formal, com a falta de significado, falta de profundidade e com a comodidade de nossos grilhões, de nossas formas divorciadas da realidade.

1 Platão, República, livro 7 [516b]O que fariam com o “arquiteto liberto” que os contasse, tentasse esclarecer os “prisioneiros”, sobre o mundo fora da caverna? Porventura o matarão? Pergunta Platão. Será que o mundo mudou muito desde a antiguidade clássica? Na república, aquele que vislumbrou o “verdadeiro sol” e tenta ensinar seus companheiros é tido como louco e matam-no.
O processo de globalização é irreversível. Deveria ser uma via de mão dupla, recepção e emissão de influências e informações. Nossa situação é de recepção exacerbada e irrefletida. Isso resulta em um processo gradual de crescente dependência cultural, somando-se à dependência econômica. O que esperar desse modelo de globalização vigente? As conseqüências já observadas, a fetichização das mercadorias, o crescimento da exclusão social e dos hiatos em nossa sociedade, perda da identidade e um futuro distópico.

Posicionamentos finais sobre uma estética contemporânea
As discussões nesse sentido são inesgotáveis e bastante pertinentes. O que é preciso é ter uma opinião e ser coerente com a mesma. Ainda podemos, de acordo com o tema, assumir posicionamentos filosóficos sobre a questão da forma versus função. Podemos fazer uma tentativa, uma nova proposição de como definir a boa e bela arquitetura a partir de conceitos aristotélicos de virtude; as boas disposições, do grego, areté. (Os latinos traduziam por virtus – excelência) No antagonismo/embate e na própria interpenetração entre forma e função poderíamos trabalhar com o conceito dos meio-termos  de Aristóteles. De acordo com o filósofo: “toda virtude é um ápice, entre dois vícios, uma cumeada entre dois abismos: assim a coragem entre a covardia e a temeridade, a dignidade, entre a complacência e egoísmo, ou a doçura, entre a cólera e a apatia” (Comte-Sponville, 1998: p.11) Partindo desse raciocínio filosófico podemos afirmar que a “excelência”, a virtude na arquitetura, situa-se no equilíbrio, no exato meio caminho entre os dois vícios totalitários da pura forma e da pura função.