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A Tragédia Grega


18/09/2017   publicado por: edeas

A tragédia grega e sua importância para a civilização ocidental.

A presença do anfiteatro no programa do Centro vem da premissa primeira e básica de todo o projeto: a democratização do saber filosófico. Nele poderão ser encenadas adaptações de tragédias gregas, peças locais, manifestações, discursos, palestras ao ar-livre; enfim, pretende-se que seja mais um espaço democrático por excelência.

A Filosofia caminha lado a lado em seu berço, na Grécia, com a tragédia. O povo ateniense, instigado pelos novos filósofos, nem sempre abraçava o logos* que lhes era proposto. As especulações filosóficas não atingiam a grande massa da população grega, a plebe. A democracia ateniense, como já explicado, era uma democracia relativa. Era, na verdade, uma estrutura de exclusão. Das decisões da polis não participavam as mulheres, os escravos, as crianças e os estrangeiros. A participação da grande massa da população começa a ser de outra forma, não decisória, porém reflexiva e catártica com a invenção, no século V a.C. da tragédia Ática.

Ainda coerente com o conceito do Jardim de Epicuro, o anfiteatro vem exercer a função de agregador democrático pleno de cidadãos. Pode ser um espaço único de contestação pública e emissor de críticas satíricas teatralizadas à nossa realidade, à política local, e, por que não ( ? ), à política mundial.

Avesso à noção latina do pane et circenses (pão e circo) o espaço pretende ser o palco de uma nova encenação de tragédias contemporâneas e tragédias clássicas. Retoma-se aqui também o ideário da Kátharsis, (do grego, purificação, como por um rito; purgação, como em medicina) mas não alienação. A tragédia coloca em cena o Páthos; é o que se sofre, o sofrimento, a experiência que se adquire somente na dor. O conhecimento e experiência traduzidos por Máthos, palavra para conhecimento adquirido. Daí o adágio páthei máthos: “No sofrimento, o conhecimento”. E é exatamente a isso que a tragédia se propõe: a “cura”, a “purificação” do espectador. Mas ainda sobre o caráter catártico das encenações trágicas nos diz Loraux; “(…) é preciso referir a kátharsis a duas experiências simultâneas e contraditórias: a reflexidade metatrágica, que supõe um espectador bom entendedor que não é inteiramente possuído por seus afetos, e o pressentimento de um mundo cuja lei terrível e sedutora está bem distante da moral didática da cidade” É preciso esclarecer aqui que toda ética grega estrutura-se em torno do paradoxo do conceito de Eudaimonia, a felicidade, concebida como necessariamente dominada, mas sujeita a todo instante à força avassaladora do acaso (týkhê). E isso se reflete nas tragédias.

Não se sabe a origem exata da tragédia. Mas a palavra significa “canto do bode”. Isso sugere uma relação direta com Dioniso, o deus das vinhas, da fertilidade, da embriaguez. Em seus ditirambos, nas Grandes dionisíacas, o deus era acompanhado por um cortejo de Silenos e Sátiros, seres com pés de bode. Dioniso também teve sua “paixão”. Assim como Osíris, deus egípcio, foi morto, desmembrado e renasceu. Daí sua relação direta com os ciclos da natureza. Morte e vida, crescimento e regeneração. Daí também sua ligação com o solo e com o povo, que do solo dependia para sua subsistência. A tragédia grega é a evolução natural das celebrações dionisíacas. Dioniso é o deus do povo, da plebe; por isso mesmo seu culto e o caráter dionisíaco das tragédias reveste as encenações trágicas de caráter nitidamente subversivo e questionador da realidade. Os conflitos urbanos podem ser esmiuçados e encenados no anfiteatro. Certamente. A solução poderia estar no sintagma platônico polis kaì ánthropos (a cidade e o homem)

Na Grécia clássica, Sófocles, Eurípides, Ésquilo e Aristófanes escreveram suas tragédias. Assassinatos, incestos, parricídios, torturas intra familiares, tudo isso fazia parte das tramas encenadas. As tragédias carregavam um forte significado metafórico. Dentro das urdiduras que se viam no palco podiam ser observadas críticas à aristocracia, ao imperialismo Grego, à própria filosofia como especulação impermeável ao homem comum. (Como em Aristófanes “As Nuvens” em que o autor zomba de Sócrates, colocando-o como figura etérea-sonhadora a pairar em nuvens) O gênero trágico carrega em si mesmo um objetivo também pedagógico para a Atenas do século V a.C.. Sobre a dimensão pedagógica da tragédia grega esclarece Sautet (98: p.234): “(…) o povo ateniense podia prescindir dos esclarecimentos dos “pensadores” para compreender o curso dos acontecimentos e a ordenação do mundo: indo ao teatro durante as grandes dionisíacas, distribuindo-se pelos degraus do semicírculo escavado no flanco da Acrópole, ele aprendia mais do que dando ouvido às especulações dos adeptos do logos. E de maneira muito mais agradável.” Por que não retomar hoje em dia esse mesmo caráter? Que, afinal, trata-se apenas de uma das muitas dimensões humanas que a tragédia carrega em si? O objetivo de difusão de conhecimento e inspiração filosófica também pode, sim, ser alcançado por intermédio do teatro. Podemos no lugar mesmo do anfiteatro promover um novo Máthos, e, talvez, não necessariamente impulsionado objetivamente por Páthos.